sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O julgamento do Calvário


O julgamento do Calvário
A morte entrou no mundo por meio da queda do homem. Aqui se faz referência à morte espiritual que separa o homem de Deus. Entrou por meio do pecado no princípio e continuou fazendo-o desde então. A morte sempre chega através do pecado. Notemos o que nos diz Romanos 5:12 sobre este assunto. Em primeiro lugar, que «o pecado entrou no mundo por meio de um homem». 

Adão pecou e introduziu o pecado no mundo. Segundo, que «a morte (entrou no mundo) através do pecado». A morte é o resultado invariável do pecado. E, finalmente, que como conseqüência «a morte se estendeu a todos os homens porque todos os homens pecaram». 

A morte não «se estendeu a» ou «passou aos homens simplesmente, mas sim literalmente «passou para todos os homens». A morte impregnou o espírito, o alma e o corpo de todos os homens. Não há nenhuma parte de um ser humano pela que não tenha passado.
Por isso é indispensável que o homem receba a vida de Deus. 

A salvação não pode chegar por uma reforma humana porque «a morte» é irreparável. O pecado tem que ser julgado antes de que possa haver resgate da morte para os homens. Isto é exatamente o que tem feito a salvação do Senhor Jesus.

O homem que peca deve morrer. Isto está anunciado na Bíblia. Nenhum animal nem nenhum anjo podem sofrer o castigo do pecado em lugar do homem. É a natureza do homem a que peca, por isso é o homem que deve morrer. Só o humano pode expiar pelo humano. Mas como o pecado está em sua humanidade, a morte do homem não pode expiar por seu próprio pecado. 

O Senhor Jesus veio e assumiu a natureza do homem, para poder ser julgado em lugar da humanidade. Não corrompida pelo  pecado, sua santa natureza humana pôde deste modo expiar pela humanidade pecadora por meio da morte. 

Morreu como substituto, sofreu todo o castigo do pecado e ofereceu sua vida como resgate por muitos. Como conseqüência, todo aquele que crê nEle já não será julgado (Jo. 5:24).
Quando o Verbo se fez carne, levava em si toda carne. Assim como a ação de um homem, Adão, representa a ação de toda a humanidade, a obra de um homem, Cristo, representa a obra de todos. 

Temos que ver quão completa é a obra de Cristo antes de poder compreender o que é a redenção. Por que o pecado de um homem, Adão, é julgado como o pecado de todos os homens passados e presentes? Adão é o cabeça da humanidade da qual vieram ao mundo todos os demais homens. 

De uma forma similar, a obediência de um homem, Cristo, faz-se justiça de muitos, passados e presentes, posto que Cristo constitui o cabeça de uma nova humanidade, originada por um novo nascimento.
Hebreus 7 pode ilustrar este ponto. Para demonstrar que o sacerdócio de Melquisedeque é maior que o sacerdócio do Levi, o escritor recorda a seus leitores que uma vez Abraão ofereceu dízimo a Melquisedeque e recebeu uma bênção dele e por isso se conclui que a bênção e a oferenda do dízimo de Abraão eram de Levi. Como? Porque ele (Levi) ainda estava nos lombos de seu antepassado (Abraão) quando Melquisedeque o conheceu» (v. 10). Sabemos que Abraão engendrou a Isaac, Isaac a Jacob e Jacob a Levi. Levi era o bisneto do Abraão. 

Quando Abraão ofereceu o dízimo e recebeu uma bênção, Levi ainda não tinha nascido, nem sequer seu pai nem seu avô. Não obstante, a Bíblia considera que o dízimo e a bênção são de Levi. Posto que Abraão é inferior o Melquisedeque, Levi também é de menor importância que Melquisedeque. 

Este fato pode ajudar-nos a compreender por que se interpreta o pecado de Adão como pecado de todos os homens e por que se considera a sentença feita sobre Cristo como sentença sobre todos. É simplesmente porque, quando Adão pecou, todos os homens estavam em seus lombos. Da mesma maneira, quando Cristo foi julgado, todos os que serão regenerados estavam presentes em Cristo. 

Por isso se considera a sentença de Cristo como a sentença deles, e todos os que creram em Cristo já não serão julgados.
Como a humanidade tem que ser julgada, o Filho de Deus — o homem Jesus Cristo — sofreu em seu espírito, alma e corpo sobre a cruz pelos pecados do mundo.

Examinemos primeiro seus sofrimentos físicos. O homem peca por meio de seu corpo, e neste desfruta do prazer temporário do pecado. Em conseqüência, o corpo tem que ser o destinatário do castigo. Quem pode sondar os sofrimentos físicos do Senhor Jesus na cruz? Acaso os sofrimentos de Cristo no corpo não estão claramente preditos nos textos messiânicos? «Transpassaram-me as mãos e os pés» (Sl. 22:16). O profeta Zacarias chamou a atenção sobre «o que foi transpassado» (12:10). 

Suas mãos, seus pés, sua testa, seu flanco, seu coração, todos foram transpassados pelos homens, transpassados pela humanidade pecadora e transpassados para a humanidade pecadora. Muitas foram suas feridas e muito lhe subiu a febre, porque com o peso de todo seu corpo pendurando na cruz sem nenhum apoio, seu sangue não podia circular livremente. Passou muita sede e por isso gritou: «A língua se me pega ao paladar.»  «Como tinha sede me deram vinagre para beber» (Sl. 22:15; 69:21).

As mãos têm que ser cravadas porque vão atrás do pecado. A boca tem que sofrer porque sente prazer em pecar. Os pés têm que ser transpassados porque pecam à vontade. A testa tem que ser coroada com uma coroa de espinhos porque também quer pecar. Tudo o que o corpo humano tinha que sofrer se cumpriu em Seu corpo. Desta maneira sofreu fisicamente até a morte.

Estava em sua mão livrar-se destes sofrimentos, mas voluntariamente ofereceu seu corpo para suportar todas as insondáveis provações e dores sem acovardar-se nem um momento até que soube que «tudo estava consumado» (Jo. 19:28). Só então entregou seu espírito.

Não só seu corpo; sua alma também sofreu. A alma é o órgão da própria consciência. Antes de ser crucificado, deram a Cristo vinho misturado com mirra como calmante para mitigar a dor, mas Ele o rejeitou porque não estava disposto a aceitar nenhum sedativo mas sim a estar plenamente consciente do sofrimento. 

As almas humanas desfrutaram plenamente do prazer dos pecados; por conseguinte, Jesus ia suportar em sua alma a dor destes pecados. Preferiu beber a taça que Deus lhe deu do que a taça que anestesiaria sua consciência.

Que vergonhoso era o castigo da cruz! utilizava-se para executar os escravos fugidos. Um escravo não tinha propriedades nem direitos. Seu corpo pertencia a seu dono, e por conseguinte podia ser castigado com a cruz mais vergonhosa. O Senhor Jesus tomou o lugar de um escravo e foi crucificado.

Isaías o chamou «o servo», e Paulo disse que tomou a forma de um escravo. Sim, veio como um escravo para nos resgatar aos que estávamos sob a escravidão perpétua do pecado e de Satanás. Fomos escravos da paixão, do temperamento, dos costumes e do mundo. Estivemos a mercê do pecado. No entanto, Ele morreu por nossa escravidão e carregou com todo nosso opróbrio.

A Bíblia traz o relato de que os soldados ficaram a roupa do Senhor Jesus (Jo. 19:23). Estava quase nu quando o crucificaram. Esta é uma das vergonhas da cruz. O pecado nos tira nossa veste radiante e nos deixa nus. Nosso Senhor foi despido diante de Pilatos e logo depois de novo no Calvário. Como reagiu sua santa alma diante de semelhante mau trato? Acaso não era um insulto à santidade de sua personalidade e uma vergonha? Quem pode sondar seus sentimentos naquele trágico momento? Como todos os homens tinham desfrutado da glória aparente do pecado, o Salvador tinha que suportar a autêntica vergonha do pecado. 

«Verdadeiramente (Deus) cobriste-o de vergonha.... com que os teus inimigos, ó Senhor, têm difamado os passos do teu ungido.»; e até «suportou a cruz, desprezando a vergonha» (Sl. 89:45, 51; At. 12:2).
Ninguém poderá jamais constatar o muito que sofreu a alma do Salvador na cruz. Contemplamos frequentemente seus sofrimentos físicos, mas passamos por cima dos sentimentos de sua alma. Uma semana antes da Páscoa o ouviram dizer: «Agora a minha alma está perturbada» (Jo. 12:27). Isto assinala a cruz. 

No Jardim do Getsêmani o ouviram de novo dizer: «A minha alma está triste até a morte» (Mt. 26:38). Se não fosse por estas palavras quase não poderíamos pensar que sua alma tinha sofrido.
Isaías 53 menciona três vezes que sua alma foi oferecida pelo pecado, que sua alma sofreu e que derramou sua alma até a morte (vs. 10-12). 

Pois que Jesus suportou a maldição e a vergonha da cruz, quem crê nele já não será maldito nem envergonhado.
Seu espírito também sofreu terrivelmente. O espírito é a parte do homem que o equipa para comunicar-se intimamente com Deus. 

O Filho de Deus era santo, inocente, imaculado, separado do pecado. Seu espírito estava unido ao Espírito Santo em perfeita unidade. Nunca teve seu espírito um momento de perturbação nem de dúvida, porque sempre teve a presença de Deus com Ele. Jesus disse: «Não sou eu só, mas eu e o Pai que me enviou... E aquele que me enviou está comigo» (Jo. 8:16, 29). Por isso pôde orar: «Pai, graças te dou, porque me ouviste. 

Eu sabia que sempre me ouves» (Jo. 11:41,42).
Enquanto pendurado na cruz — e se houve algum dia que o Filho de Deus necessitasse desesperadamente da presença de Deus deve ter sido esse dia — gritou: «meu Deus, Meu Deus, por que me desamparaste?» (Mt. 27:46). 

Seu espírito estava separado de Deus. Quão intensamente sentiu a solidão, o abandono, a separação! O Filho ainda estava cedendo, o Filho ainda estava obedecendo a vontade de Deus-Pai; sem dúvida, o Filho tinha sido abandonado: não por causa dEle, mas sim por causa de outros.

O pecado afeta muito profundamente o espírito e, por conseguinte, embora o Filho de Deus fosse santo, tinha que ser separado do Pai porque levava o pecado de outros. É certo que nos incontáveis dias da eternidade «eu e o Pai somos um» (Jo. 10:30). Inclusive durante sua estada na Terra continuou sendo assim, porque sua humanidade não podia ser uma causa de separação de Deus.

Só o pecado podia separá-los, embora esse pecado fosse de outros. Jesus sofreu esta separação espiritual por nós para que nosso espírito pudesse voltar para Deus.
Ao contemplar a morte de Lázaro, possivelmente Jesus estava pensando em sua própria morte próxima e por isso «estava profundamente comovido em espírito e preocupado» (Jo. 11:33). Ao anunciar que seria traído e que morreria na cruz estava outra vez «inquieto em espírito» (Jo. 13:21). 

Isto nos explica porque, quando recebeu a sentença de Deus no Calvário, gritou: «meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» Porque: «Penso em Deus, e gemo; medito, e meu espírito se deprime» (Mt. 27:46, citando os Sl. 22:1; Sl. 77:3). 

Foi privado do poderoso fortalecimento do Espírito Santo em seu espírito (Ef. 3:16) porque seu espírito havia sido arrancado do Espírito de Deus. Por isso suspirou: «Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas. 

A minha força secou-se como um caco e a língua se me pega ao paladar; tu me puseste no pó da morte.» (Sl. 22:14,15).
Por um lado, o Espírito Santo de Deus o abandonou. Por outro, o espírito diabólico de Satanás o ridicularizou. Parece que o Salmo 22:11-13 se refere a esta fase: «Não te alongues de mim, pois a angústia está perto, e não há quem acuda. 

Muitos touros me cercam; fortes touros de Basã me rodeiam. Abrem contra mim sua boca, como um leão que despedaça e que ruge..»
Por um lado seu espírito suportou o abandono de Deus e por outro, resistiu ao escárnio do espírito diabólico. 

O espírito do homem se separou tanto de Deus, exaltando-se a si mesmo e seguindo o espírito diabólico, que o espírito do homem tem que ser quebrantado de tudo para que não possa continuar opondo-se a Deus e estando aliado com o inimigo. O Senhor Jesus se fez pecado por nós na cruz. Sua santa humanidade interior foi completamente aniquilada ao julgar Deus à humanidade ímpia. 

Abandonado Por Deus, Cristo sofreu, pois, a mais amarga dor do pecado, suportando na escuridão a ira castigadora de Deus sobre o pecado sem o apoio do amor de Deus ou a luz de seu rosto. Ser abandonado por Deus é a conseqüência do pecado.
Agora nossa humanidade pecadora foi julgada totalmente porque foi julgada na humanidade sem pecado do Senhor Jesus. Nele, a humanidade santa conquistou sua vitória. 

Toda sentença sobre o corpo, a alma e o espírito dos pecadores foi lançada sobre Ele. Ele é nosso representante. Por fé estamos unidos a Ele. Sua morte é considerada como nossa morte, e sua sentença como nossa sentença. Nosso espírito, alma e corpo foram julgados e castigados nele. Seria o mesmo que se tivéssemos sido castigados em pessoa.«Assim, agora não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus» (Rm. 8:1).

Isto é o que Ele tem feito por nós e esta é agora nossa posição diante de Deus.«Porque o que morreu está livre do pecado» (Rm. 6:7).
Nossa posição real é de que já morremos no Senhor Jesus, e agora só falta que o Espírito Santo transporte este fato para nossa experiência. A cruz é onde o pecador — seu espírito, alma e corpo — é julgado. É por meio da morte e da ressurreição do Senhor que o Espírito Santo de Deus pode nos transmitir a natureza de Deus. 
A cruz ostenta o julgamento do pecador, proclama a ausência de valor do pecador, crucifica o pecador e proporciona a vida do Senhor Jesus. Desde então, qualquer que aceitar a cruz nascerá de novo pelo Espírito Santo e receberá a vida do Senhor Jesus.

A regeneração

O conceito de regeneração conforme o encontramos na Bíblia fala do processo de passar da morte para a vida. O espírito de um homem antes da regeneração está afastado de Deus e é considerado morto, porque a morte é a dissociação da vida e de Deus, que é a fonte da vida. Em conseqüência, a morte é a separação de Deus. 

O espírito do homem está morto e por conseguinte é incapaz de ter comunhão íntima com Ele. Ou sua alma o controla e o submerge em uma vida de idéias e imaginações, ou os desejos carnais e os costumes de seu corpo o estimulam e reduzem a sua alma à escravidão.

O espírito do homem tem que ser avivado porque nasceu morto. O novo nascimento de que falou o Senhor Jesus com Nicodemos é o novo nascimento do espírito. É obvio que não é um nascimento físico como acreditava Nicodemos, nem tampouco anímico. 

Devemos nos fixar cuidadosamente em que o novo nascimento transmite a vida de Deus ao espírito do homem. Posto que Cristo expiou por nossa alma e destruiu o princípio da carne, os que estamos unidos a Ele participamos de sua vida de ressurreição. Fomos unidos a Ele em sua morte; por conseguinte, é em nosso espírito onde colhemos primeiro o cumprimento de sua vida de ressurreição. 

O novo  nascimento é algo que acontece totalmente no espírito: não tem nenhuma relação com a alma ou o corpo.
O que faz que o homem seja único na criação de Deus não é que possui uma alma, mas sim que tem um espírito que, unido à alma, constitui o homem. Esta união faz do homem um ser extraordinário no universículo. 

A alma do homem não está relacionada diretamente com Deus. Segundo a Bíblia é seu espírito que tem relação com Deus. Deus é Espírito, e em conseqüência todos os que o adoram devem adorá-lo em espírito. Só o espírito pode ter comunicação íntima com Deus. Só o espírito pode adorar ao Espírito. Por isso encontramos na Bíblia frases como:«servindo com meu espírito» (Rm. 1:9; 7:6; 12:11);
«conhecendo por meio do espírito» (1 Co. 2:9-12);
«adorando em espírito» (Jo. 4:23, 24);
«recebendo em espírito a revelação de Deus» (Ap. 1:10; 1 Co. 2:10).

Em vista deste fato, recordemos que Deus decretou que tratará com o homem unicamente por meio de seu espírito e que terá que levar a cabo seus conselhos por meio do espírito do homem. Se assim tem que ser, que necessário é para o espírito do homem continuar em constante e viva união com Deus, sem cair nem por um momento na desobediência às leis divinas, seguindo os sentimentos, desejos e ideais da alma externa. 

Do contrário, se imporá a morte de modo imediato, e o espírito será privado de sua união com a vida de Deus. Isto não significa que o homem já não tenha um espírito. Simplesmente quer dizer, como já indicamos anteriormente, que o espírito renuncia a sua elevada posição em favor da alma. 

Sempre que o homem interior de uma pessoa presta atenção aos ditados do homem exterior, perde contato com Deus e se torna espiritualmente morto. «Estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais outrora andastes» ao «fazendo a vontade da carne e dos pensamentos» (Ef. 2:1-3).

A vida de uma pessoa não regenerada está quase por inteira governada pela alma. Pode estar vivendo com temor, curiosidade, alegria, orgulho, piedade, prazer, delícia, estranheza, vergonha, amor, arrependimento, gozo. Ou pode estar cheia de ideais, imaginações, superstições, dúvidas, suposições, interrogações, induções, deduções, análise, introspecções. 

Ou pode ser impulsionada — pelo desejo de poder, reconhecimento social, riqueza, liberdade, posição, fama, glória, conhecimento — a tomar decisões atrevidas, a entrar pessoalmente em compromissos, a expressar opiniões obstinadas, ou inclusive a resistir a testes pacientemente. 

Todas estas coisas e outras similares são simplesmente manifestações das três principais funções da alma, que são a emoção, a mente e a vontade. Acaso a vida não se compõe predominantemente destas coisas? Mas nunca poderão levar à regeneração. Fazer penitência, sentir-se aflito pelo pecado, derramar lágrimas, inclusive fazer votos, não leva à salvação. 

A confissão, a decisão e muitos outros atos religiosos nunca podem nem têm que ser interpretados como um novo nascimento. O julgamento racional, a compreensão inteligente, a aceitação mental, ou a busca do bom, do belo e do autêntico, são simplesmente atividades anímicas enquanto não se alcança e se sacuda o espírito. Embora possam servir bem como criados, as idéias, sentimentos e decisões do homem não podem servir como donos e por isso são secundários neste assunto da salvação. 

Daí que a Bíblia nunca considera que o novo nascimento seja tratar com severidade o corpo, um sentimento impulsivo, a exigência da vontade ou uma reforma através da compreensão mental. O novo nascimento bíblico acontece em uma área muito mais profunda que o corpo ou a alma humana, sim, é no espírito do homem onde recebe a vida de Deus por meio do Espírito Santo.

O escritor de Provérbios nos diz que «o espírito do homem é a candeia do Senhor» (20:27). No renascimento, o Espírito Santo entra no espírito do homem e o aviva como se acendesse um abajur. Este é o «espírito novo» mencionado em Ezequiel 36:26. O velho espírito morto é avivado quando o Espírito Santo lhe transmite a vida incriada de Deus.

Antes da regeneração, a alma do homem controla a seu espírito, enquanto seu próprio «eu» governa a sua alma e sua paixão governa a seu corpo. A alma se converteu na vida do corpo. Na regeneração, o homem recebe a própria  vida de Deus em seu espírito e nasce de Deus. Em conseqüência disso, agora o Espírito Santo governa o espírito do homem, que, por sua vez, é equipado para recuperar o controle sobre sua alma e, por meio da alma, governar seu corpo. Como o Espírito Santo se converte na vida do espírito do homem, este se converte na vida de todo o ser do homem. 

O espírito, a alma e o corpo são restaurados segundo o propósito original de Deus para toda pessoa nascida de novo.
Então o que terá que fazer para nascer de novo em espírito? Sabemos que o Senhor Jesus morreu em lugar do pecador. Sofreu em seu corpo na cruz por todos os pecados do mundo. Deus considera a morte do Senhor Jesus como a morte de todas as pessoas do mundo. 
Sua humanidade santa sofreu a morte por toda a humanidade ímpia. Mas há algo que o homem mesmo tem que fazer.
Tem que usar sua fé para comprometer-se — seu espírito, alma e corpo — na união com o Senhor Jesus. 

Quer dizer, tem que considerar a morte do Senhor Jesus como sua própria morte e a ressurreição do Senhor Jesus como sua própria ressurreição. Este é o significado de João 3:16: «Todo aquele que nele (literalmente) crê, não pereça mas tenha vida eterna.» O pecador deve ter fé e acreditar no Senhor Jesus. Ao fazê-lo, se une a Ele em sua morte e ressurreição e recebe a vida eterna (Jo. 17:3) — que é a vida espiritual — para sua regeneração.

Tomemos cuidado de não separar a morte do Senhor Jesus como nosso substituto de nossa morte com Ele. Certamente que o farão os que põem ênfase na compreensão mental, mas na vida espiritual estes dois fatos são inseparáveis. A morte substitutiva e a morte com Ele se distinguem mas não se podem separar.

Quem acredita na morte do Senhor Jesus como seu substituto foi unido a Ele em sua morte (Rm. 6:2). Para mim, acreditar na obra substitutiva do Senhor Jesus é acreditar que já fui castigado nEle. O castigo de meu pecado é a morte, mas o Senhor Jesus sofreu a morte por mim; por conseguinte morri nele. 

Não pode haver salvação de outro modo. Dizer que Ele morreu por mim quer dizer que eu já fui castigado e morri nele. Todo o que acredita nesse fato experimentará sua realidade.
Assim, devemos dizer que a fé pela qual um pecador crê na morte do Senhor Jesus como substituto é «acreditar por dentro» em Cristo e como conseqüência está unido com Ele. 

Embora uma pessoa possa estar preocupada só pelo castigo do pecado e não pelo poder do pecado, mesmo assim sua união com o Senhor é a posse comum que compartilha com todos os que crêem em Cristo. Quem não está unido ao Senhor, ainda não acreditou, e em conseqüência não tem parte com o Senhor.

Ao acreditar, o que crê é unido ao Senhor. Estar unido com Ele quer dizer experimentar tudo o que Ele experimentou. Em João 3 nosso Senhor nos explica como somos unidos a Ele. Somos unidos a Ele em sua crucificação e morte (vs. 14,15). No mínimo, a posição de todo crente é de que foi unido ao Senhor em sua morte, mas é evidente que «se temos sido unidos a ele na semelhança da sua morte, certamente também o seremos na semelhança da sua ressurreição» (Rm. 6:5). 

Por isso, para o que crê na morte do Senhor Jesus como substituto, sua posição é igualmente a de ter ressuscitado com Cristo. Apesar de que possivelmente não experimente ainda plenamente o significado da morte do Senhor Jesus, mesmo assim Deus o tem feito viver junto com Cristo e ele obteve uma nova vida no poder da ressurreição do Senhor Jesus. Este é o novo nascimento.

Devemos nos guardar de insistir em que um homem não nasceu de novo se não teve a experiência da morte e da ressurreição com o Senhor. A Bíblia declara já regenerado a todo o que crê no Senhor Jesus. «Todos os que o receberam, os que acreditaram em seu nome... nasceram de Deus» (Jo. 1:12, 13). Fique entendido que ser ressuscitado junto com o Senhor não é uma experiência prévia ao novo nascimento. Nossa regeneração é nossa união com o Senhor em sua ressurreição e também em sua morte. Sua morte terminou com nossa vida pecaminosa, e sua ressurreição nos deu uma vida nova e nos iniciou na vida de cristão. 

O apóstolo nos assegura que «nascemos de novo a uma esperança viva por meio da ressurreição do Jesus Cristo dos mortos» (1 Pe. 1:3). Indica que todo cristão nascido de novo já foi ressuscitado no Senhor. Entretanto, o apóstolo Paulo em Filipenses ainda insiste conosco a experimentarmos «o poder de sua ressurreição» (3:10). Muitos cristãos nasceram de novo e em conseqüência foram ressuscitados com o Senhor, embora fiquem longe da manifestação do poder da ressurreição.

Assim, não confundam a posição com a experiência. No momento em que uma pessoa acredita no Senhor Jesus, pode ser muito fraca e ignorante, mas, mesmo assim, Deus a colocou na perfeita posição de ser considerada morta, ressuscitada e levantada com o Senhor. Quem é aceito em Cristo é tão aceitável como Cristo. Esta é a posição. E sua posição é: tudo o que Cristo experimentou é seu. 

E a posição o faz experimentar o novo nascimento, porque não depende do grau de seu conhecimento experimental da morte, da ressurreição e da ascensão do Senhor Jesus, mas sim de se ter crido nele ou não. Inclusive, se um crente é em sua experiência totalmente ignorante do poder de ressurreição de Cristo (Fp. 3:10),  Ele o tem feito viver junto com Cristo, o ressuscitou com Ele e o assentou com Ele nos lugares celestiais (Ef. 2:5, 6).

Ainda há outro tema a respeito da regeneração a que devemos prestar muita atenção: que temos muito mais do que tínhamos em Adão antes da queda. Naquele dia Adão possuía um espírito, mas era criado por Deus. Não era a vida incriada simbolizada pela árvore da vida. Não havia absolutamente nenhuma relação vital entre Adão e Deus. 

Foi chamado «o filho de Deus» de forma  similar à maneira em que o são os anjos, porque foi criado diretamente por Deus. Quem crê no Senhor Jesus, entretanto, «nasce de Deus» (Jo. 1:12,13). Conseqüentemente, há uma relação vital. Um filho herda a vida de seu pai. Nós nascemos de Deus, e por conseguinte temos sua vida (2 Pe. 1:4). Se Adão houvesse recebido a vida que Deus oferecia na árvore da vida, imediatamente teria obtido a vida eterna incriada de Deus. Seu espírito veio de Deus e por isso é eterno. 

A maneira como este espírito eterno viverá depende de como a pessoa considere a ordem de Deus e da escolha que faça. A vida que nós cristãos obtemos na regeneração é a mesma que Adão poderia ter tido, mas que nunca teve: a vida de Deus. A regeneração não somente resgata das trevas a ordem do espírito e da alma do homem; também proporciona ao homem a vida sobrenatural de Deus.

O espírito caído e escurecido do homem é avivado pelo fortalecimento do Espírito Santo ao aceitar a vida de Deus. Isto é o novo nascimento. A base sobre a qual o Espírito Santo pode regenerar o homem é a cruz (Jo. 3:14, 15). A vida eterna anunciada em João 3:16 é a vida de Deus que o Espírito Santo planta no espírito do homem. 

Posto que esta vida é de Deus e não pode morrer, depreende-se que todo  nascido de novo que possui esta vida podemos dizer que possui a vida eterna. Como a vida de Deus desconhece por completo a morte, a vida eterna no homem não morre jamais.
Estabelece-se uma relação vital com Deus no novo nascimento. Se parece com o antigo nascimento da carne, que é uma vez e para sempre. Uma vez que o homem nasceu de Deus, Deus nunca poderá considerá-lo como não nascido dEle. 

Por infinita que seja a eternidade, esta relação e esta posição não podem ser anuladas. Isto é porque o que um crente recebe no novo nascimento não depende de uma busca progressiva, espiritual e santa, mas sim é puro dom de Deus. O que Deus outorga é a vida eterna. Não há nenhuma possibilidade de que esta vida e esta posição sejam anuladas.

Receber a vida de Deus no novo nascimento é o ponto de partida do andar com Cristo, um mínimo absoluto para o crente. Os que ainda não creram na morte do Senhor Jesus nem tenham recebido a vida sobrenatural (que não podem possuir de maneira natural) estão mortos aos olhos de Deus, por muito religiosos, morais, eruditos ou zelosos que possam ser. 

Os que não têm a vida de Deus estão mortos.
Para os que nasceram de novo há uma grande potencialidade para o crescimento espiritual. A regeneração é o primeiro passo evidente em um desenvolvimento espiritual. Embora a vida recebida seja perfeita, precisa alcançar maturidade. No momento do novo nascimento, a vida não pode estar já plenamente desenvolvida. É como uma fruta recém formada: a vida é perfeita, mas ainda é imatura. Por isso há uma ilimitada possibilidade de crescer. 
O Espírito Santo pode levar a pessoa a uma vitória total sobre o corpo e a alma.

Duas classes de cristãos

O apóstolo Paulo, em 1 Coríntios 3:1, divide a todos os cristãos em duas classificações. São os espirituais e os carnais. Um cristão espiritual é aquele em que o Espírito Santo vive em seu espírito e controla todo seu ser.

Então, o que significa ser carnal? A Bíblia usa a palavra «carne» para descrever a vida e o valor de um homem não regenerado. Compreende tudo o que surge de sua alma e de seu corpo pecaminoso (Rm. 7:19). Por isso o cristão carnal é o que nasceu de novo e que tem a vida de Deus, mas em lugar de vencer a sua carne é vencido por ela.

Sabemos que o espírito de um homem caído está morto e que esse homem está dominado por sua alma e seu corpo. Em conseqüência, um cristão carnal é aquele cujo espírito foi avivado, mas que ainda segue à sua alma e ao seu corpo para pecar. Se um cristão permanecer em um estado carnal muito tempo depois de ter experimentado o novo nascimento, impede que a salvação de Deus leve a cabo sua completa manifestação e seu potencial. 

Só se crescer na graça, constantemente governado pelo espírito, pode a salvação manifestar-se totalmente nele. Deus providenciou uma salvação completa no calvário para a regeneração dos pecadores, e uma vitória total sobre a velha criatura por parte dos crentes.

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